A Inconfidência
Mineira teve uma relação direta com as características da sociedade regional e
com o agravamento de seus problemas, nos dois últimos decênios do século XVIII.
Isso não significa que seus integrantes não fossem influenciados pelas novas
idéias que surgiam na Europa e na América do Norte. Muitos membros da elite
mineira circulavam pelo mundo e estudavam na Europa. Em 1787, dentre os
dezenove estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra, dez
eram de Minas. Coimbra era um centro conservador que ficava na Europa, o que
facilitava o conhecimento das novas idéias e a aproximação com as
personalidades da época.
Ao lado disso, nas ultimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrou em uma fase de
declínio, fase esta marcada pela queda contínua da produção de ouro e pelas
medidas adotadas pela Coroa para garantir a arrecadação do quinto (imposto
cobrado pela coroa por todo o ouro encontrado).
Se examinarmos um pouco a historia pessoal dos
inconfidentes, veremos que tinham também razões especificas de
descontentamento. Em sua grande maioria, eles constituíam um grupo da elite
colonial, formado por mineradores, fazendeiros, padres envolvidos em negócios,
funcionários, advogados de prestigio e uma alta patente militar, o comandante
dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade. Todos eles tinham vínculos
com as autoridades coloniais na capitania e, em alguns casos (Alvarenga
Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga), ocupavam cargos na magistratura.
José Joaquim da Silva
Xavier constituía, em parte, uma exceção. Desfavorecido pela morte
prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por
dividas e tentara sem êxito o comercio. Em 1775, entrou na carreira militar, no
posto de alferes, o grau inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas,
exercia o oficio de dentista, de onde veio o apelido algo de apreciativo de Tiradentes.
O entrosamento entre a elite local e a administração da
capitania sofreu um abalo com a chegada a Minas do governador Luís da Cunha
Meneses, em 1782. Cunha Meneses marginalizou os membros mais significativos da
elite, favorecendo seu grupo de amigos. Embora não pertencesse à elite, o
próprio Tiradentes se viu prejudicado, ao perder o comando do destacamento dos
Dragões que patrulhava a estratégica entrada da Serra da Mantiqueira.
A situação agravou-se em toda região mineira com a nomeação
do Visconde de Barbacena para substituir Cunha Meneses. Barbacena recebeu do
ministro português Melo e Castro instruções no sentido de garantir o
recebimento do tributo anual de cem arrobas de ouro. Para completar essa quota,
o governador poderia decretar a derrama, um imposto a ser pago por cada
habitante da capitania. Recebeu ainda instruções no sentido de investigar os
devedores da Coroa e os contratos realizados entre a administração publica e os
particulares. As instruções faziam pairar uma ameaça geral sobre a capitania e
mais diretamente sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores
devedores da Coroa.
Os inconfidentes
começaram a prepara um movimento de rebeldia nos últimos meses de 1778,
movimento este incentivado pela expectativa do lançamento da derrama (imposto a
ser pago por cada habitante da capitania). Não
chegaram a pôr em pratica seus planos, pois, em Março de 1789 Visconde de
Barbacena decretou a suspensão do imposto e seus conspiradores foram
denunciados por Silvério dos Reis. Devedor da Coroa, como vários dos
inconfidentes, Silvério dos Reis estivera próximo dos inconfidentes, mas optara
por livrar-se de seus problemas denunciando o movimento. Seguiram-se prisões em
Minas e a de Tiradentes no Rio de Janeiro. O longo processo realizado na
capital da Colônia só terminou a 18 de abril de 1792.
A partir daí, começou
uma grande encenação da Coroa, buscando mostrar sua força e desencorajar
futuras rebeldias. Só a leitura da sentença durou dezoito horas! Tiradentes
e vários outros réus foram condenados à forca. Algumas horas depois, uma carta
de clemência da Rainha Dona Maria transformava todas as penas em banimento, ou
seja, expulsão do Brasil, com exceção do caso de Tiradentes. Na manhã de 21 de
abril de 1792. Tiradentes foi enforcado
num cenário típico das execuções do Antigo Regime. Entre os ingredientes
desse cenário se incluíam a presença da tropa, discursos e aclamações à rainha.
Seguiram-se a retaliação do corpo e a exibição de sua cabeça, na praça
principal de Ouro Preto.
Que pretendiam os inconfidentes?
A resposta não é simples, pois a maioria das fontes à nossa
disposição é constituída do que disseram os réus e as testemunhas no processo
aberto pela Coroa, no qual se decidia, literalmente, uma questão de vida ou
morte. Aparentemente, a intenção da maioria era a de proclamar uma República,
tomando como modelo a Constituição dos Estados Unidos. O poeta e ex-ouvidor
Tomás Antônio Gonzaga governaria durante os primeiros três anos e depois disso
haveria eleições anuais. O Distrito Diamantino seria liberado das restrições
que pesavam sobre ele; os devedores da Coroa, perdoados; a instalação de
manufaturas, incentivada. Não haveria exército permanente. Em vez disso, os
cidadãos deveriam usar armas e servir, quando necessário, na milícia nacional.
O ponto mais
interessante das muitas medidas propostas é o da libertação dos escravos,
que só excepcionalmente aparece em vários movimentos de rebeldia não só do
Brasil Colônia como do Brasil independente. De um lado, no plano ideológico, é
incompreensível que um movimento pela liberdade mantivesse a escravidão; de
outro, no plano dos interesses, como é que membros da elite colonial,
dependentes do trabalho escravo, iriam libertá-los? Essa contradição surge no
processo dos inconfidentes, mas é bom ressalvar que nem sempre depoimentos
derivados de interesses pessoais predominaram nas declarações. Alvarenga Peixoto, um dos maiores senhores de
escravos entre os conjurados, defendeu a liberdade dos cativos, na esperança de
que eles assim se tornassem os maiores defensores da República. Outros, como
Álvares Maciel, achavam, pelo contrário, que sem escravos não haveria quem
trabalhasse nas terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma solução de
compromisso, pela qual seriam libertados somente os escravos nascidos no
Brasil.
A Inconfidência
Mineira é um exemplo de como acontecimentos históricos de alcance parentemente
limitado podem ter impacto na história de um país. Como fato material, o
movimento de rebeldia não chegou a se concretizar, e suas possibilidades de
êxito, apesar do envolvimento de militares e contatos no Rio de Janeiro, eram
remotas. Sob esse aspecto, a Revolução de 1817, que a partir de Pernambuco se
espraiou por uma grande área do Nordeste, teve maior importância.
Mas a relevância da
Inconfidência deriva de sua força simbólica: Tiradentes transformou-se em
herói nacional, e as cenas de sua morte, o esquartejamento de seu corpo, a
exibição de sua cabeça passaram a ser evocadas com muita emoção e horror nos
bancos escolares. Isso não aconteceu da noite para o dia e sim através de um
longo processo de formação de um mito
que tem sua própria história. Em um primeiro momento, enquanto o Brasil não se
tornou independente, prevaleceu a versão dos colonizadores. A própria expressão
"Inconfidência Mineira", utilizada na época e que a tradição
curiosamente manteve até hoje, mostra isso. "Inconfidência" é uma
palavra com sentido negativo que significa falta de fidelidade, não-observância
de um dever, especialmente com relação ao soberano ou ao Estado. Durante o
Império, o episódio incomodava, pois os conspiradores tinham pouca simpatia
pela forma monárquica de governo. Além disso, os dois imperadores do Brasil
eram descendentes em linha direta da Rainha Dona Maria, responsável pela
condenação dos revolucionários.
A proclamação da
República favoreceu a projeção do movimento e a transformação da figura de
Tiradentes em mártir republicano. Existia uma base real para isso. Há
indícios de que o grande espetáculo, montado pela Coroa portuguesa para
intimidar a população da Colônia, causou efeito oposto, mantendo viva a memória
do acontecimento e a simpatia pelos inconfidentes. A atitude de Tiradentes,
assumindo toda a responsabilidade pela conspiração, a partir de certo momento do
processo, e o sacrifício final facilitaram a mitificação de sua figura, logo
após a proclamação da República. O 21 de
abril passou a ser feriado, e Tiradentes foi cada vez mais retratado com traços
semelhantes às imagens mais divulgadas de Cristo.
Assim se tornou um
dos poucos heróis nacionais, cultuado como mártir não só pela direita e pela
esquerda como pelo povo da rua.
Fonte: FAUSTO, Boris. A Inconfidência Mineira. In: História do Brasil. São Paulo.
Fonte: FAUSTO, Boris. A Inconfidência Mineira. In: História do Brasil. São Paulo.
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